segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Epitáfio

Lembro-me de quando você era uma criança. Tão sensível, indefeso... cuidei de você para que nada de mal lhe acontecesse. Fiz da minha vida a sua, dei de comida quando suas mãozinhas ainda não tinham força para tanto. Acordei divesas vezes durante a noite para esfriar sua febre, acalantar seu pranto, te ajudar a dormir. Você foi crescendo e se tornando uma linda criança. Eu adorava vê-lo correndo pelo jardim, com toda sua alegria e vitalidade. Fiz de tudo para que você fosse sempre feliz. Apertei o orçamento para te dar aquele brinquedo que você tanto queria, te ensinei a usá-lo, e não pude me conter com o seu sorriso de felicidade quando aprendeu a andar de bicicleta. Eu fui te segurando até você conseguir equilibrar-se, e quando conseguiu, fiquei ali, do lado, para que se você caísse, eu pudesse te ajudar a levantar.

Vi você chorando a dor do primeiro amor perdido. E como você chorou, lembra? Voltou a ser aquela criança indefesa, sem rumos, achando que a vida teria acabado ali, naquele momento. Não queria comer, não dormia, não saía de dentro do quarto. E eu, mesmo sem entender muito dessas coisas do coração, fiz tudo o que pude para que você não caísse numa profunda depressão, entendesse que a vida sempre proporciona tudo no seu momento certo. Deixei de trabalhar para que você não ficasse sozinho em casa, temendo o que pudese fazer contra si mesmo.

Você foi definindo o rumo da sua vida, e eu já não podia mais opinar muito... acho que nem servia mais para isso, também! Não tenho a capacidade que vocês, jovens de hoje, têm, de assimilar certas coisas. Minha experiência de vida, tão importante antigamente, tornou-se uma pedra no sapato, inadequada, fora de tempo. Preferi me calar, e deixar que rumasse a sua vida da forma que desejasse, mas sempre estive ali, do seu lado, apenas esperando um momento em que você talvez, quem sabe, quisesse recorrer a mim.

Mas fui envelhecendo, e vendo-o seguir. Formou sua família, teve seus filhos - que por uma razão que ainda não compreendo, não gostam muito de mim - e esqueceu um pouco que eu existo. Tenho tentando agradar-lhe de algumas formas muito minhas, mas não tem surtido muito efeito... aliás, surtiu efeito sim, mas contrário. Sinto falta da sua companhia, pois é a única pessoa que ainda tenho em minha pobre vida.

Mas agora, depois de tudo, tornei-me um estorvo para você. De modo que você me trouxe a esta "casa de idosos", isolou-me da convivência da família que eu ajudei a formar, tirou-me o direito de amá-los, com a justificativa de que aqui eu seria mais feliz, pois teria pessoas da minha idade por perto, que pensavam como eu.

Sabe, meu filho, você sequer imagina o que eu penso. Queria ao menos ter o direito de ver meus netinhos crescendo, mesmo tendo que dormir no quartinho dos fundos e tendo que passar um dia inteiro sentada numa cadeira sem forças para mover-me, apenas assistindo a sua alegria familiar.

Me perdoe se tornei-me um incômodo para você. Eu nunca quis isso. Tudo que eu fiz foi para sua felicidade, e não tenho culpa se o tempo é implacável, como um dia também o será para você e para seus filhos. Perdoe-me por ter amado-lhe tanto, lutado tanto por essa sua felicidade que agora me priva de assistir. Agora estou há apenas alguns dias da minha partida, e não resta mais tempo para correções. Quero apenas que você saiba que esteja eu onde estiver, vou amar-lhe para sempre, e vou estar sempre em vigia, torçendo para que nada de mal lhes aconteça.

Adeus!

17 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Caro, Vinicius, você propõe uma literatura inovadora, além de intima! gostei muito do tom de seu blog! Você propõe até uma boa reflexão, diante de seu mundo bloguistico! volto mais vezes, mas sou, assim de cara, seu seguidor, abraço!

Nathy disse...

Nossa, que texto mais lindo!!! Triste, é claro....mas LINDO!!! Parabéns!

Hugo de Oliveira disse...

Mesmo sendo uma história triste..o texto ficou lindo viu...abraços

Hugo

Anônimo disse...

Nossa amor, que forte!
Mais que um texto de ficção, essa realidade infelizmente é muito comum nos dias de hoje. Eu nem tenho muito o que falar sobre isso, porque seu texto por si só já disse tudo. Só tenho que parabenizá-lo mais uma vez pela sensibilidade.

Amo-te muito!

Ludmilla Cardoso de Oliveira disse...

Vinicius, que bom que descobriu meu blog, assim eu descubri o seu! Que lindo o texto, só acho que é muito feio pedir desculpas para um filho, eu mesma NAO pediria jamais, mais eu entendo. Hoje em dia, os filhos veem os pais como estorvos mesmo, menos eu é claro, que ainda sou um estorvo para mamae. Beijo.

Déia disse...

Que texto triste! Meu Deus!!!

Lindo, verdadeiro e extremamente triste!

bj

Heloísa Vilela disse...

Achei seu texto tão sensível, tão bonito, que talvez comentários seriam mero complemento.
Mas sabe, essas histórias me enxem os olhos de lágrimas. Não entendo o ser humano que abandona as pessoas que dedicaram uma vida por ele.
beijos

Gabriela Marques de Omena disse...

Perdoe-me. Tão legal de sua parte comentar e ler meu post, mas agora não me sobra tempo para ler o seu. Mas estou lhe seguindo, quando me sobrar um tempinho, sem dúvida o lerei.
Beijos.
Obrigada pelo incentivo! Mesmo, de coração.

Camila disse...

Aim Vini, que triste!
Infelizmente acontece, neah?!
=/


Adoro suas cartas!
:*

Beijos querido

Raquel disse...

Nossa nem te digo trabalhando num centro de idosos vi os velhinhos tão deprimidos... é muito triste não desejo nem para minha sogra... quer dizer, bom pensando bem... Brincadeira :P
Lindo texto, paaso sempre por aqui para bisgolhetar seus textos são lindissímos!

DANIEL MORAES disse...

É das histórias triste que nascem os mais belos textos. Parabéns. Um abraço.

http://submundosemmim.blogspot.com

§erenissima disse...

Ai q triste....

Heduardo Kiesse disse...

original - muito!!


abraço amigo!

Gabriela Marques de Omena disse...

Fiquei aqui a refletir. Uma vez fui à uma casa de idosos, e encontrei um monte de velhinhas tristonhas, que quando viu meu grupo se aproximar choraram sem parar. Acho que o que mexeu com elas foi o fato de pessoas que elas mal conheciam estarem ali pra alegrá-las enquanto a pessoa que ela mais amou neste mundo, educou, criou lhe abandonou ali.
Não prometo que serei uma boa filha quando tiver meus filhinhos e minha vida a parte. Mas sei que não serei capaz de tal monstruosidade. Eles ficam tão sozinhos e tristes ali; ali não é lugar pra ninguém, nem para os piores avos e pais. Não sei o que levam as pessoas a fazerem isso.

Agora eu li! Estava mesmo sem tempo aquela hora, perdoe-me.
Adorei, muito lindo e triste. Me fez refletir. Obrigada pelas visitas e comentários em meu blog, agradeço de coração.
Beijos.

Eri disse...

pai faz tudo pelos filhos
:)

thais m. disse...

vc sumiu =/

ligia disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.