quarta-feira, 16 de abril de 2008

Crônica de Uma Mente Doentia

- Calem-se! Gritou o rapaz. E todos na sala de reuniões inquietaram-se ainda mais. Eles o temiam. Seu olhar era frio, forte, e ao mesmo tempo raivoso. Sua voz imprimia-lhe uma autoridade temerosa e quem sabe incontestável, e sua presença incomodava até mesmo aqueles a quem julgava amigos. Há muito ele não sabia o que era amor, e provavelmente nunca soubera.

Fora criado numa tradicional família de um pobre estado do Nordeste brasileiro, e desde cedo pôde saborear o gosto do poder. Seus pais e familiares eram envolvidos na mais alta nata política local, e mesmo tendo dúbia reputação, ninguém ousava contestá-los. E assim, prepararam o rapaz para no futuro substituí-los, perpetuando o nome da nobre família no poder. Teve uma juventude turbulenta, sem regras, sem leis. Na cidade onde nasceu, andou envolvido com os mais promíscuos prazeres e até mesmo os mais inimagináveis ilícitos. Aprendeu a beber, a fumar e também a cheirar, e os fazia constantemente, também espelhado nos vícios de seu pai, alto figurante político no estado, e que um dia chegou a tentar matar.

Mas seu maior vício era o poder, e também era o pior, obviamente herdado de seus familiares. E este vício desde cedo foi corroendo cada molécula de seu corpo, guiando suas atitudes. A partir daí, ele passou a não ter mais sonhos. E passou também a cavar sua sepultura.

Progrediu! Passando sempre por cima de tudo e de todos, desconsiderando qualquer senso moral e legal possível, ele atingiu cargos públicos e foi aumentando sua patente política cada vez mais. Muitos fechavam os olhos para sua desonestidade. Uns por medo, outros por subserviência. Diziam que o rapaz tinha know how. Os meios utilizados para tanto eram os mais escusos possíveis, mas isso era o que menos importava, pois ele continuava a subir. O céu era seu limite. Ou o inferno. Construiu bens, e aumentou-os. Até formou uma família, afinal, era viável, social e politicamente falando. O rapaz dizia-se feliz, mas aos poucos seu desequilíbrio foi se mostrando cada vez mais evidente. No entanto, ele aprendera a enganar, e tornara-se mestre nisso. Possuía uma inteligência e uma perspicácia ferozes, o que transformou sua existência em mera aparência, que nada mais visava a não ser sua sede por ser maior, e por poder mais e mais. Por dentro ele se corroia em gana. Por fora, ele sorria. Aprendera a ser falso também. Fora preparado para viver estes momentos a vida inteira, e agora ele apenas colocava em prática tudo o que um dia lhe ensinaram.

Um dia, como não poderia deixar de ser, seu palácio começou a ruir. E não houve redenção. Ele, em sua incansável arrogância, recusava-se a aceitar o fim do seu reinado, demonstrando inclusive aspectos de loucura, e continuava sorrindo publicamente, mesmo sob o olhar já sádico daqueles a quem outrora comandara.

- Calem-se! Gritou ele. Todos obedeceram. Lágrimas indescritíveis corriam por sua face, mas não de tristeza, pois ele não se sentia triste. Apenas seu incessante e já conhecido desejo de vingança e ódio fazia com que ele pudesse ainda se mover. Sem mais nada a dizer, até porque as palavras, velhas aliadas, já lhe faltavam, tornou a sentar em seu trono que agora o obrigavam a abandonar. Baixou a cabeça e de novo chorou. Não pôde distinguir quanto tempo passou ali, envolto em suas mágoas e ódios, sempre responsáveis por seu sucesso, e agora únicos companheiros de seu fracasso. Lá fora, podia ouvir o grito de revolta das multidões que um dia enganou. Soube que não o podia mais. Levantou os olhos. Não havia mais ninguém na sala. Todos o haviam abandonado. Quis gritar, mas haviam-no tirado também a voz.

E calou-se.

6 comentários:

Anônimo disse...

Vinicius, como pode uma só crônica transmitir tantos sentimentos? Ao longo da leitura, fui formando perfeitamente a imagem do seu personagem. Eu queria que isso ocorresse somente em personagens de histórias irreais, mas infelizmente, o mundo está cheio de pessoas assim. O pior é que o povo parece que desaprendeu a reinvindicar. Onde estão os cara-pintadas? É difícil ver um fim como o da sua crônica. O povo vê o mal feito, mas têm medo de reclamar, de tentar mudar. É por isso que corrupção, abuso de poder e outras robalheiras acontecem frequentemente. Acho bastante legal uma propaganda que fala que os heróis existem, e que devemos dar valor aos direitos que eles conquistaram para nós. Um deles, é o direito do voto. O voto é a maneira que temos de escolher o nosso representante, mas daí, o povo sem consciência, votam nulo, em branco. Sou contra isso. Tá certo que hoje tá difícil escolher, temos que optar pelo menos pior. Mas temos que estar atentos ao que eles tem a nos oferecer, e caso ganhem, temos que cobrar, ficar de cima. Nós somos responsáveis por nossos governantes. Somos cidadãos. Mas, acho que no fim, todos têm no final aquilo que merece, assim como seu personagem.

Beijão!

=)

Raysner d' Paula disse...

Vinicius, já volto pra comentar sobre a crônica...Que blog bonito, hem!

***
Ah, sobre as fotos: Foi só para divulgar um pouco do trabalho do grupo. Juro! O blog é mais usado como ferramenta de exposição do meu lado literário. Abraços; Voltarei aqui para ler os textos...é que agora estou com 5 minutos de lan house.

Teresa disse...

que leitura gostosa!

=*

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rô Rezende disse...

Bem escrito e recheado de emoções, daqueles textos que nos prendem do começo ao fim...fico imaginando qntas pessoas são como o protagonista. Quantos viciados em poder por ai, mesmo os com um "pequeno reinado" que se acham os reis do mundo!

Flávia Fabri Cesário disse...

Excelente texto! Parabéns! Como disse a Camilla, ao ler o texto fui montando o personagem, peça a peça, parte a parte. Infelizmente, assim como este existem inúmeros espalhados pelo Brasil. Podemos lembrar de vários nomes de políticos corruptos, mas e de um honesto? Pode citar algum? Qualquer pessoa que tenho um mínimo de desvio de caráter é corrompido pelo poder. Uma das piores drogas da humanidade.
Grande beijo!