terça-feira, 27 de maio de 2008

Trabalhar é (in) Digno

O despertador toca às seis da manhã. Ele abre os olhos, espreguiça-se na cama, solta um suspiro de lamentação e levanta. Dirige-se ao banheiro, pega a toalha ainda úmida do dia anterior, entra na ducha gelada e pensa um pouco na vida. Ensaboa-se rapidamente, leva as axilas, enxágua-se e sai. Vai até a cozinha, passa o café, coloca numa xícara e bebe juntamente com dois pães dormidos e margarina. As crianças e a mulher acordam, e juntam-se a ele, sentados à mesa. Conversam um pouco sobre banalidades, enquanto ele recomenda às crianças atenção na aula. Levanta-se, vai ao banheiro, escova os poucos dentes que ainda lhe restam, volta, dá um beijo nos filhos e na esposa, e vai para a rua. Benze-se, passa na banca e olha as manchetes do jornal do dia. Acena para o padeiro e para o rapaz do jogo do bicho que conversam na calçada. Já sabia que a sua milhar não havia sido premiada, e segue para o ponto de ônibus. Após esperar quarenta minutos, chega a condução lotada, ele entra, paga a passagem e acomoda-se ao lado de uma senhora mal encarada, de pé. Uma hora depois ele desce e dirige-se ao canteiro de obras. Tijolos, cimento, suor, calos nas mãos. Sobe o andaime e avista a cidade do alto. Ela não pára, ele também não. Alguém grita lá de baixo e ele imediatamente acorda do seu breve devaneio. Desce do andaime. Meio dia, chega a marmita fornecida pela empresa e descontada do seu salário. Feijão duro, arroz grudado, alguns pedaços de tomates murchos, dois bifes emborrachados e um copo de suco de laranja azeda. Fome, mastiga, mastiga, mastiga e engole. Termina, lava as mãos e vai para a sombra deitar na grande tampa de caixa de papelão a fim de tirar o habitual cochilo de quinze minutos. Poeira no rosto, levanta-se. Mais uma vez, sobe o andaime, agora sem prestar atenção na cidade, por receio do grito que pode vir lá de baixo. Reboco, cimento, tijolos e telhas. O suor continua escorrendo insistente por sua pele, e ele começa a sentir aquele mau cheiro de desodorante barato que já lhe é comum. Sol escaldante, suor e mais suor, cansaço. Cinco da tarde, ele respira fundo, alívio. Desce do andaime, despede-se dos colegas, e segue para o ponto de ônibus. Uma hora, condução superlotada, ele entra, paga a passagem e fica de pé, já que não existem mais assentos. Do seu lado um adolescente carregado de livros escolares que insiste em esbarrar em sua cintura. Alguém espirra atrás dele, ele sente o líquido tocar sua nuca, tenta enxugar, o coletivo balança, ele desequilibra-se, segura o ferro, esquece do espirro. Trânsito caótico, uma hora e meia, enfim, pede parada. Passa na padaria, compra dez pães, um pacote de leite e meio quilo de mortadela. Coloca no prego, fica para o fim do mês. Um ou dois apertos de mãos depois, segue para casa. Abre o portão, cachorro latindo e abanando o rabo, talvez com fome. Entra em casa, as crianças discutindo para ver quem tem direito a mudar o canal da TV, ele grita, silêncio. Beijo da esposa. Ela manda que ele vá tomar banho, pois não cheira bem. Ducha mais demorada e senta-se à mesa. Jantar, sopa de legumes, um pão com mortadela, um copo de café com leite. Conversam sobre os problemas financeiros, o filho mais novo que está com notas baixas e que a mãe insiste em defender, a conta da mercearia que já não é paga há dois meses. Ele se aborrece, levanta-se, lava as mãos e vai para a sala ver TV. A esposa senta-se ao seu lado e as crianças vão para a rua brincar. Jornal nacional, novela, chega o sono. Chama os filhos, eles querem ficar mais tempo na rua, mas ele não permite, e vê-los entrando a esbravejarem gírias incompreensíveis para ele. Vai ao banheiro, escova os dentes, lava o rosto, troca de roupa e deita-se, e dorme, e sonha, sabe-se lá com o quê. Trinta dias, quatrocentos e quinze reais, sem descontos.
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Ah, queria agradecer de coração a mais uma indicação feita a este espaço virtual, pelo Blog http://biblinotas.blogspot.com/. Fico muito feliz ao saber do reconhecimento de algumas pessoas às minhas humildes criações.


Aproveito para indicar três outros excelentes blogs para o recebimento do selo. Vale a pena conferi-los:
http://sempredelua.blogspot.com/ - "De Lua", da Flavinha.
http://sabe-de-uma-coisa.blogspot.com/ - "Sabe de Uma Coisa", da outra Flavinha.
http://www.perdidaemdevaneios.blogspot.com/ - "Devaneios Desvairados", da Jéssica.

17 comentários:

Dayane Carmona Poeta disse...

Nossa, defeniu bem a vida de tantos e tantos trabalhadores desse nosso Brasil. Tanta coisa passa na minha cabeça, mas uma dúvida não quer calar, como tantos sobrevivem com tão pouco? Sendo que o preço de tudo sobe? Nesse nosso Brasil tem que ser malabarista para dar conta do tal! Mas gostei muito da forma pela qual você colocou o texto.

Você tem toda razão, nossos sentimentos ficam a mostra em nossos textos, mas cá entre nois eu acho isso tão bom, e olha que nao são todos que tem esse dom!

Beijos querido :*

Dayane Carmona Poeta disse...

Claro que foi de proposito, devidamente calculado para a curiosidade se instalar nas pessoas. Isso é bom :) :*

Camila disse...

noooooossa amei esse texto eim
tão criativo! =]

DESCREVEU A VIDA DE MUITAS PESSOAS

Unknown disse...

Estupendo!
Eu chega fiquei cansada.

Muito bom seu texto, viu? Nossa. Bem angustiante, bem real.

Parabens.

T disse...

eeei
adorei aqui
principalmente esse banner *__*
passarinhos voando e tal
hihihihihi
fica bem :*

do Ricardinho Dias Gomes disse...

TVariedades

APRESENTA...
"A PRIMEIRA ESTRELA DA NOITE NO CAMINHO DE DOM FELICIANO"
Vai lá e de palpites, opiniões, dicas, etc...

Anônimo disse...

eita nossa.....que saga né...isso tudo em um dia!!( e assim desse jeitinho mesmo...
Vc esqueceu de complentar que ainda ele é feliz ..e agradeçe a ela láde cima, todos os dias..por tudo isso...!muito bom ...!
BjUm...!

Anônimo disse...

O perfeito retrato do trabalhador brasileiro. Nossa, que riqueza de detalhes desse texto. Fiquei encantada com a extrema sensibilidade para com os mesmos. É chato, alguém passar por uma série de aborrecimentos e no final do mês receber uma merreca. E a inflação sobre, o arroz sobe, tudo sobre, principalmente a pressão do trabalhador...háháhá.

Beijão!

Até mais...

=)

Anônimo disse...

ahhh, não é SOBRE, e sim SOBE...rsrs

Nadezhda disse...

História de tantos brasileiros.

(De vizinhos, amigos, parentes)!

Selo merecido ;)

Ana Luíza disse...

Parabéns Vinícius... adorei seu texto***
Muito criativo***
BEIJOSSS

Flávia disse...

Esse texto eu AMEI. Adorei conhecer esse seu lado cronista/contista. Manda bem demais no estilo.

E obrigada pelo selo! Vc sabe, né? Vindo de vc, é um orgulho... tô copiando ele e antes mesmo do fim de semana faço o post.

Beijo, beijo, beijo.

Camila disse...

aaaaaaaaaaaaa....
mas Deus já está nos iluminando! =]


OBRIGAD APELA VISITA E PARABÉNS PELO PRESENTINHO
HAHAHA

beijo

Luifel disse...

É, trabalhar é digno, mas infelizmente como somos tratados como animais, ou pior do que eles, está cada vez mais 'in' digno!

Abçs.

Flávia Fabri Cesário disse...

Vini! Parabéns pelo excelente texto que relata a vida da maioria dos brasileiros. É uma vergonha saber que um pai de família sustenta sua casa com um salário mínimo pífio como este, enquanto em BSB não sabem onde colocar todo o dinheiro roubado. Tentaram colocar em cuecas, para vergonha nacional, descobriram. Um escandalo! O pior é que a maioria da população aprova essa conduta reelegendo esses políticos. E assim, a população vai levando no jeitinho brasileiro mesmo.

Mudando de assunto...

Adorei o selo!!! Muito obrigada mesmo!!!! Fiquei lisonjeada com esta homenagem!!!!
Tkank youuuu!! :)

Beijos!

Andréia Lino disse...

fazer o q.. se precisamos trabalhar né?

muito bom...parabens!

bjoka

>.<

Carla disse...

Vida de trabalhador brasileiro não é fácil não... mas será que não podia ser um banhinho quente antes de ir trabalhar??...rs...
Bjusssss..